Especialistas analisam qual o peso do voto evangélico após o Censo

Os dados do Censo 2022, divulgados recentemente pelo IBGE, escancaram uma mudança expressiva no panorama religioso brasileiro: o avanço dos evangélicos e a redução do número de católicos. Embora o levantamento não trate diretamente do comportamento eleitoral, ele redesenha o mapa da fé no Brasil e, com ele, as bases de influência política para os próximos anos.

Para o pastor e escritor Rodolfo Capler, o Censo, ainda que não aborde preferências eleitorais, serve como um termômetro social com desdobramentos políticos claros. “O crescimento evangélico, ainda que menos acentuado do que previam algumas projeções, confirma a consolidação desse grupo como um dos principais atores da cultura política nacional. A presença evangélica, espalhada em todas as regiões e classes sociais, indica um potencial de mobilização que vai muito além do número absoluto”.

Segundo o especialista em marketing político Rafael Leão, o censo oferece um retrato demográfico que serve como bússola para partidos e candidatos: “Ele oferece um mapa preciso da presença evangélica no Brasil. Isso permite aos partidos e candidatos dimensionarem melhor seu discurso e estratégias nos territórios onde esse grupo cresce. Os evangélicos têm demonstrado alto grau de mobilização e engajamento político. Sua força nas urnas pode ser projetada com mais assertividade a partir desses dados”.

Capler complementa: “Estamos falando de uma estrutura religiosa com capilaridade, influência comunitária e, em muitos casos, com lideranças que fazem um papel paraeclesiástico e até mesmo paraestatal. Mesmo sem saber em quem esses brasileiros votarão, sabemos que sua identidade religiosa será, sim, um vetor decisivo de escolha”.

O cientista político da Hold Assessoria Parlamentar, André Pereira César, reforça: “A força político-eleitoral dos evangélicos está dada. É algo bastante relevante na cena política brasileira. Quem se candidata, especialmente ao executivo, precisa ter uma interlocução muito boa com esse público. Quem descartar isso, vai se dar mal”. Para ele, não se trata apenas de números brutos, mas de influência real e contínua. “Pode não estar crescendo como estava antes, mas continua muito relevante e isso não pode ser descartado”.

Rodolfo Capler faz uma leitura semelhante. Para ele, o fato de o crescimento evangélico ter sido mais modesto que o previsto, é, em alguma medida, positivo. “Revela um certo equilíbrio no campo religioso que evita uma hegemonia absoluta e, com ela, a tentação de confundir fé com projeto de poder. Para alguns setores da política que instrumentalizaram o crescimento evangélico como estratégia de massa de manobra eleitoral, os números podem soar como um freio”.

Crescimento pode ser lento, mas força evangélica é inquestionável 

Apesar do crescimento evangélico não ter sido tão acelerado quanto muitos analistas previam, a tendência segue firme. Leão avalia que a leitura desses números precisa ser feita com cautela estratégica:

“Para a direita, que tem se apoiado fortemente nesse segmento, o ritmo mais lento do crescimento pode sinalizar a necessidade de diversificação do discurso. Para a esquerda, a desaceleração pode ser vista como uma oportunidade de diálogo mais estratégico com evangélicos moderados. No fim, o dado exige menos triunfalismo e mais inteligência política de todos os lados”.

André Pereira César compartilha leitura semelhante. “O crescimento perdeu punch, como se diz no boxe. Perdeu pegada, mas continua importante, relevante na disputa. Continua crescendo, talvez não como antes, mas segue muito relevante. Quem não estiver atento a isso vai errar feio”.

De olho nas regiões historicamente decisivas

A movimentação religiosa é ainda mais sensível em regiões historicamente decisivas nas eleições, como o Norte e o Nordeste. Para Leão, o que se observa é uma “transição religiosa silenciosa”, marcada pelo avanço das igrejas pentecostais e uma alteração na base cultural.

“Norte e Nordeste sempre foram mais influenciados por pautas sociais e assistenciais, mas hoje começam a responder também a discursos morais e de valores. Isso pode equilibrar ou até reconfigurar o mapa eleitoral em 2026”.

Capler avalia que essas regiões estão passando por uma verdadeira reconfiguração de imaginário religioso. “Historicamente ligadas ao catolicismo popular e às religiões afro-brasileiras, Norte e Nordeste agora veem o crescimento evangélico ganhar corpo e voz. Isso tensiona o campo político. Nas últimas eleições, essas regiões foram chave para a vitória, mas o aumento da presença evangélica sugere uma disputa mais dividida entre valores progressistas e conservadores”.

César destaca que, no Nordeste em especial, as nuances locais não podem ser ignoradas: “As nuances do Nordeste são muito relevantes para essa disputa. A questão religiosa entra inevitavelmente nesse debate. É algo muito importante e quem quiser conquistar espaço precisa estar atento a isso”. 

Quem mais se beneficia com os números atuais?

Quando a disputa é vista pelo prisma ideológico, a balança ainda tende para a direita. “A direita, historicamente mais alinhada ao público evangélico, ainda colhe frutos desse vínculo, mas o crescimento mais tímido do segmento impõe limites”, diz Leão. Ele acredita que a esquerda também pode se beneficiar:

“Tem chance de recuperar espaços entre religiosos que não se identificam com o radicalismo ou entre os que se afastam da religião organizada. Em resumo: a direita segue forte com a base evangélica, mas a esquerda ganhou margem para reconquistar parte do voto popular com menos resistência ideológica”.

Para Rodolfo Capler, o cenário não favorece uma leitura maniqueísta. “Os evangélicos não são um bloco monolítico. Há entre eles trabalhadores, mulheres, jovens negros, mães solo, grupos com demandas sociais concretas que não se resolvem apenas com discursos morais. A esquerda começa a entender que precisa conversar com esse público com menos arrogância. A direita, por sua vez, precisa provar que sua aliança com os evangélicos não é apenas instrumental”.

César concorda que a direita ainda leva vantagem, mas vê brechas para mudanças: “A direita ainda ganha mais nessa disputa, mas há presença da esquerda. O Lula tenta ganhar espaço entre os evangélicos. O deputado Otoni de Paula, por exemplo, tem papel importante nessa negociação. Pode haver algum equilíbrio maior a partir de certos posicionamentos”.

O peso dos votos dos sem religião

Capler também chama atenção para outro ponto trazido pelo censo: a alta de pessoas que se identificam como sem religião.

“Esse grupo não é exatamente ateu. Muitos se consideram espiritualizados e defendem pautas ligadas à liberdade individual, diversidade, combate à intolerância. É um segmento importante, especialmente nas grandes cidades e entre os mais jovens. Eles podem forçar um reposicionamento do discurso político em relação à laicidade do Estado e à liberdade religiosa”.

A reorganização religiosa no Brasil, evidenciada pelos dados do IBGE, se desdobra muito além da fé individual. Ela revela redes de poder, alianças estratégicas e disputas por narrativas em um país onde religião e política se entrelaçam cada vez mais. Se os candidatos quiserem mesmo vencer em 2026, será preciso olhar com atenção e respeito para essa nova geografia da fé.

Como resume Capler, “os dados mostram um país que segue majoritariamente religioso, mas onde cresce a consciência de que política e religião não podem se fundir acriticamente. Quem souber lidar com essa tensão com mais sensibilidade e menos oportunismo terá vantagem em 2026”.

Fonte: Comunhão

The post Especialistas analisam qual o peso do voto evangélico após o Censo first appeared on Folha Gospel.

Publicidade

Notícias